A grandeza da simplicidade: como filmes de Richard Linklater e Greta Gerwig nos ensinam a admirar a beleza do cotidiano

Júlia Costa
8 min readMar 4, 2018

Além de expressão artística, é importante lembrar que o cinema é, também, produto comercial. Dessa forma, submetidos à lógica do mercado, não é novidade que os filmes mais financiados e, consequentemente, produzidos, sejam aqueles que seguem a uma fórmula que costuma agradar ao público em geral.

Entretanto, a utilização em massa de estruturas narrativas formulaicas produziu um efeito um tanto desagradável: muitas pessoas se acostumaram à ideia de que os filmes precisam sempre falar sobre algum acontecimento extraordinário, possuir uma grande reviravolta, mostrar cenas fortes de grande apelo emocional e, é claro, seguir uma estrutura narrativa “organizada”, com direito a um clímax bem definido.

Independentemente do gênero em questão, uma coisa é certa: os critérios anteriormente citados, quando bem utilizados, além de agradar a grande parte do público, geraram e continuam a gerar produções de qualidade. Mas seriam esses critérios elementos necessários para se fazer um longa memorável?

Richard Linklater e Greta Gerwig provam que não. Filmes como os da Trilogia Before — Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight — , Boyhood, Frances Ha e Lady Bird mostram que existem outras formas de se fazer cinema, tão dignas e belas quanto a tida como mais convencional. Explicarei o porquê.

Before Sunrise (1995)

Cena retirada do filme, na qual os dois personagens escutam a uma música romântica, selecionada por eles, em uma cabine. O momento dura mais de um minuto sem que “nada” aconteça, e ainda assim consegue ser extremamente envolvente e imersivo — o que certamente é mérito, também, das atuações magníficas de Delpy e Hawke.

Em Before Sunrise, Jesse (Ethan Hawke), um rapaz americano, e Celine (Julie Delpy), francesa, se conhecem em um trem que viaja pela Europa, e logo quando começam a conversar percebem que possuem uma sintonia imensa. Decidem, então, descer do trem e passear por um dia pela cidade de Viena, sabendo que no dia seguinte ambos precisarão retornar para seus países de origem.

O diferencial do longa já se mostra conforme avançam os seus primeiros minutos, e o espectador começa a se dar conta de que em vários momentos os personagens conversam sobre trivialidades, assuntos “normais” de pessoas também “normais”.

O artifício de exibir diálogos aparentemente rasos, utilizado por Linklater, mostra que o diretor deseja exatamente exaltar a beleza das sutilezas, mostrando que, ao lado de alguém especial, todos os momentos possuem um significado importante e digno de ser exibido.

A preocupação do diretor, assim, não é contar uma história complexa e cheia de reviravoltas, mas fazer com que o espectador se delicie com aqueles primeiros momentos em que os personagens vivenciam a descoberta um do outro. Linklater quer, por meio da história de Celine e Jesse, que o público entenda o sentimento incrível de conhecer alguém com quem é prazeroso conversar sobre todos os temas, dos mais triviais aos mais pessoais.

O longa se passa, assim, acompanhando os personagens enquanto estes passeiam pela cidade e falam sobre política, religião, medos, alegrias, angústias, relacionamentos, memórias de infância e vários outros tópicos. Com pouquíssimos cortes e um roteiro que valoriza o diálogo e a conexão que os protagonistas possuem, Before Sunrise se mostra um filme excelente e muito gostoso de ser assistido. Tudo isso pela utilização de artifícios simples, característica que também é observada nos outros filmes da trilogia, igualmente incríveis.

Boyhood (2014)

Boyhood, longa que levou 12 anos para ser produzido, acompanha o crescimento de Mason (Ellar Coltrane), uma criança de seis anos, até mais ou menos o final da sua adolescência. Filho de pais separados, o personagem principal possui uma história semelhante a de vários outras pessoas que cresceram nos Estados Unidos.

Retratando as várias fases da infância e adolescência do personagem, Richard Linklater é o responsável pela criação de um dos melhores coming-of-ages dos últimos tempos, por retratar de uma forma tão natural as várias primeiras vezes que todos vivemos à medida em que vamos crescendo: o primeiro dia de aula em uma nova escola, o primeiro amor, as primeiras amizades — que muitas vezes acabam se perdendo no tempo — , a descoberta da sexualidade, relações problemáticas com os pais, a responsabilidade que começa a aparecer com a chegada da adolescência, entre tantos outros temas que são delicadamente abordados de uma forma extremamente realista.

Desse modo, o foco do filme não consiste em um problema ou acontecimento específico — motivo pelo qual alguns o consideram monótono — , mas no todo: tudo que está posto é importante, pois é parte da trajetória de crescimento do personagem. Assim, com Boyhood, Linklater mais uma vez entrega um trabalho incrível não somente do ponto de vista técnico — é impossível não elogiar a paciência do diretor em contar a história respeitando e esperando pelo envelhecimento natural dos personagens, tão interessante de ser observado — , mas também humano, atingindo o ponto máximo de sua carreira no que tange à sua capacidade de retratar a vida de maneira precisa e fiel.

Frances Ha (2012)

Dirigido por Noah Baumbach, e com roteiro de atuação maravilhosos de Greta Gerwig, Frances Ha fala sobre a expectativa e o fracasso que fazem parte da vida de jovens adultos. Frances, interpretada por Gerwig, é uma dançarina que já está perto dos 30 anos, mas que ainda não conquistou muito do que queria, pessoalmente e profissionalmente falando. Enquanto seus amigos já falam em casar e ter filhos, ou alcançaram ao menos a estabilidade financeira, a personagem se sente perdida por ainda não ter encontrado o seu lugar. E quem nunca se sentiu assim?

Assim como os filmes da Trilogia Before, Frances Ha tem um roteiro focado nos diálogos, mostrando, as vezes, conversas “bobas”, e, outras vezes, monólogos incríveis como o seguinte:

“É aquela coisa… Quando você está com alguém... e você ama a pessoa, e vocês sabem disso... Vocês estão juntos, mas é uma festa, sabe? Os dois estão conversando com pessoas diferentes. Você está lá, sorrindo, e olha para o outro lado da sala, e vocês trocam olhares. Mas não porque são possessivos ou que seja algo sexual, mas apenas porque aquela é a pessoa da sua vida. E isso é engraçado e triste, mas só porque esta vida vai terminar. E é esse mundo secreto que existe bem ali em público, mas imperceptível, que ninguém vai ficar sabendo. É tipo como dizem, uma outra dimensão que existe ao nosso redor, mas não temos a habilidade de notar. Sabe? É isso. É isso que quero de um relacionamento. Ou da vida, eu acho.”

Salvo alguns momentos como o supracitado, o roteiro mostra a personagem vivendo várias situações comuns do dia-a-dia, sendo responsável pela criação de um senso de realismo muito bem construído, que faz com que seja muito fácil se identificar com Frances e sua história.

A partir da sinopse, não seria insensato presumir que o filme falaria sobre superação, e que a personagem conseguiria finalmente realizar os seus sonhos, sendo assim recompensada por nunca ter deixado de acreditar. Mas a mensagem de Frances Ha não é essa. Está, na verdade, um pouco mais próxima da realidade: as vezes as coisas não dão certo, mesmo, e tudo bem que não deem. Baumbach e Greta ensinam, por meio de um filme que conta uma história de uma personagem comum, enfrentando problemas comuns — e que por isso é tão identificável — , que a imperfeição é inerente à humanidade, e que existe beleza no fracasso, à medida em que ele faz com que nos reinventemos.

Lady Bird (2017)

Mais uma vez, trago um coming-of-age excelente, e que agora conta não somente com o roteiro, mas também com a direção de Greta Gerwig.

Lady Bird conta a história de Christine McPherson (Saoirse Ronan), uma adolescente que tem um relacionamento complicado com os pais e que deseja deixar Sacramento, sua cidade natal, indo fazer faculdade em outra cidade na qual ela acredita que poderá ser mais feliz e mais ela mesma. A história, como a dos outros filmes aqui citados, à exceção da Trilogia Before, fala sobre acontecimentos bastante comuns. Abordando os problemas típicos da adolescência, o filme acerta em construir uma personagem extremamente identificável, enfrentando situações que o espectador provavelmente já vivenciou ou está vivenciando, caso seja adolescente.

O filme parece provocar quem o assiste a esperar por um clímax que não chega, recurso que demonstra com precisão como funciona a adolescência: passamos todo esse período ansiando pelos grandes acontecimentos que nos definirão como seres humanos, e, quando menos esperamos, percebemos que essa fase já chegou ao fim e que sabíamos bem menos sobre a vida do que acreditávamos.

Debutando como diretora, Gerwig transita pelo gênero do coming-of-age sem fugir de alguns dos seus recursos comuns, mas consegue fazer isso de maneira inovadora a partir do momento em que escolhe retratar os acontecimentos de um período já tão evidenciado a partir dos olhares femininos de Christine e de sua mãe, interpretada por Laurie Metcalf. A forma como o filme foi executado, com suas sutilezas e inovações do ponto de vista da representatividade feminina, o faz se destacar em meio aos demais filmes sobre amadurecimento.

O que, afinal, esses filmes me ensinaram

Ao analisar separadamente todos os longas anteriormente citados, chego à conclusão de que Trilogia Before, Boyhood, Frances Ha e Lady Bird possuem em comum o fato de mostrarem a vida como ela é, sem idealismos ou muitos enfeites. Ao assisti-los, o espectador têm a impressão de que alguém esteve filmando pessoas e acontecimentos reais, que não foram ensaiados, roteirizados ou editados. O realismo é levado e a sério a ponto de gerar uma sensação de imersão e de conforto não tão fáceis de serem obtidas.

Alguns podem dizer que essa escolha narrativa acaba por criar uma produção enfadonha, que não mostra nada de diferente do que já se vive todos os dias, ou que é entediante assistir a filmes onde “nada acontece”. É extremamente a quem pensa assim que proponho a olhar de forma diferente aquilo que até então se considera como insignificante.

Acredito que uma das coisas mais bonitas do cinema é a capacidade que ele possui de fazer com que as pessoas sonhem e se encantem em meio a uma realidade que as vezes não é tão bonita ou fantástica. Mas não seriam os momentos simples da vida também dignos de estarem em tela? Não seria possível fazer com que as pessoas sonhem e ressignifiquem a realidade em que vivem a partir do momento em que essa mesma realidade — ou ao menos uma mais próxima a ela — é posta como arte?

A resposta que me vem à cabeça é que isso não somente é possível, como já foi e continua a ser feito por diretores engenhosos como Richard Linklater e Greta Gerwig, que, nos filmes aqui citados, conseguiram retratar o convencional de forma a mostrar que este também tem o seu encanto.

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Júlia Costa

Direito, cinema, política, cultura pop, marxismo e aleatoriedades